quarta-feira, 28 de julho de 2010

Elucubrações germânicas

Tenho "Diário de Anne Frank" para trabalhar com alunos. E lendo junto o (ótimo) "Menina que roubava livros", assistindo "Operação Valkiria" e "A Queda - as últimas horas de Hitler". Ou seja, II Guerra por todos os poros. Queria trabalhar os filmes com Anne Frank, mas ainda não sei como. Acho que os 03 dão um bom panorama: a visão dos judeus, a visão dos militares alemães e a visão do próprio bunker de Hitler. 03 faces do mesmo horror. Só não sei como juntar esses pedaços. Queria muito um trabalho que despertasse nos alunos o quão nocivo foi (e é!) o tipo de idéia e conduta defendida pela Alemanha nazista.

Só não consigo ainda encaixar... sugestões?

Seminário. Como? Qual abordagem?
Debate. Como? Qual abordagem?
Cartazes? Redações? Filmes home made? Teatro? (Hummm... teatro!) Música?

A cabeça gira, frita... as idéias fervilham... o desafio é crescente. Pirando - no bom sentido.

Professor de Língua Portuguesa. De Literatura. De Linguagem e de Comunicação.

Sobre a vida, então. E sobre a arte.

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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Moloko Mesto

Capa de A-LEX (2009)

Este é um texto sobre o Sepultura cuja menção a formação clássica é uma só, e em tom nada lamurioso: a banda sobreviveu ao caos, recriou-se e está firme e forte. Os dois últimos discos, "Dante XXI" e "A-Lex" são excelentes, criativos e, mais importante, relevantes.
O primeiro, de 2006, baseia-se na "Divina Comédia", de Dante Alligheri. Pesado, rápido e com riffs matadores. Despedida de Igor Cavalera (me recuso a escrever com dois "g"!), mostra o grupo inspirado e a vontade com os temas (inferno, purgatório e céu). abordados na obra Dark Wood of Error, Convicted in Life (uma das melhores músicas da carreira do grupo), City of Dis, False, Ostia, Crowed and Mither... só porradão. A arte gráfica é muito bem feita, o encarte é caprichado...
Capa de DANTE XXI (2006)

Mas o objetivo deste texto é ater-se ao mais recente disco dos caras, "A-Lex", baseado no livro "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess, que também virou filme nas mãos de Stanley Kubrick. De cara, o título muito bem sacado: "A-Lex", que é "sem lei" em Latim, é também o nome da personagem principal da obra, Alex DeLarge. Trocadilhos são sempre perigosos, mas este foi certeiro.
O Sepultura segue o padrão de "disco conceitual" estabelecido pelo rock progressivo ainda nos anos 70: dividiu a obra em partes (loucura, prisão, tratamento e redenção), cada uma apresentada por uma intro (A-Lex I, II, III e IV), todas muito legais. Desnecessárias? Não creio, pois realça a escolha estética da banda - contar uma história estruturando-a em partes. O que, como nos diz Forster, é o que um romance faz: contar uma história. Mas, vontando ao disco: se é que podemos chamar assim, este é o único traço conservador de "A-Lex".
Após a primeira intro, marcial, a pancadaria come solta no alucinante hardocre Moloko Mesto (a dobradinha também tem sido usada para abrir os shows da atual turnê), onde Alex convida seus amigos a participarem da festa, um "verdadeiro show de horrores". Aqui outra bola dentro da banda: aproveitar o "Nadsat", um idioma que mistura o russo, o inglês e o cockney (por exemplo, rozzer é polícia, drugo é amigo, chavalco é homem, moloko é leite, mesto é lugar), usado na obra. Alex é irreverente e abusa dos demais; justifica sua violência extrema e seus atos questionando o sistema corrompido e doente que vivemos. Este questionamento e até mesmo sua ironia irrompem na tribal "Filthy Rot", onde o Sepultura mais percussivo, da fase Chaos AD e Roots, aparece. Dela para a sinistra "We've Lost You", mais um destaque do álbum - e aqui não se pode deixar de falar de Derrick Green. O cara aguentou (e aguenta) um bocado por ter entrado na banda, mas é justo também dizer que muito do renascimento da banda passa por ele. A parceria com Andreas Kisser nas letras melhora a cada dia, e seu talento vocal, nunca negado mesmo pelas viúvas mais xiitas, é cada dia mais evidente. Se no "Dante XXI" ele opta pela gritaria desenfreada, opção, creio, devido a necessidade de retratar o inferno de Dante em pleno século XXI, neste disco sua voz está mais densa, grave, beirando o gutural em alguns momentos. Nesta "We've Lost You" ele tem uma das suas grandes performances desde sempre. De forma intensa sem deixar de ser claro (o que é raríssimo em vocallistas de thrash e death metal, para ficarmos nos tipos que usam este tipo de voz), manda de forma arrepiante passagens como "amor é um fracasso, ódio é apenas outra armadilha mortal", "mentir é justificar outra mentira que você adota como verdade" ou "morte é parte da vida como a paz é parte da guerra. Só preciso clarear minha mente para aprender os dois lados". Mas eis que a reviravolta na vida de Alex começa: ele é preso pelos agentes do mesmo sistema que ele odeia e escolheu viver a margem. E, sem perder a pose, confessa: "O que eu faço, faço porque gosto" (a rápida "What I Do"). Esta primeira parte é metal e hardcore, sem respiro.
"A-Lex II" nos indica que é hora do tratamento: "The Treatment" entra como uma locomotiva. Alex já dá os primeiros sinais do tormento que virá: "meu sangue é frio, perdi todo o meu controle. Só resta um pouco de mim". Daí "Metamorphosis", esses sinais avançam. O instrumental é preciso ao realçar a insanidade da personagem: a música é cadenciada, o começo sem peso ou distorção descamba para a pancadaria, mas não fica em um só andamento. Berra Alex (ou Derrick): "Eu não sou o homem que costumava ser. Sou alguma outra coisa, este não sou eu. Estou vivendo a minha própria metamorfose". Na faixa mais longa do disco, "Sadistic Values", outra amostra de como a banda tem saído da mesmice da maioria dos grupos de metal. Outro início lento, Derrick cantando de forma suave, subindo lentamente - outra performance teatral: Alex, aqui, se questiona o que ele fez para merecer tal agonia, até chegar a conclusão que valores sádicos o assombram. O "crescendo" do instrumental só nos faz embarcar no sofrimento da personagem, até a porradaria final. O assombro final de "Sadistic Values" confrontado com a cadência inicial de "Forceful Behavior" é outro grande momento do álbum - aliás, o trabalho de guitarra nesta música é muito bem feito. Andreas Kisser, outro que foi criticadíssimo, mesmo pelas suas escolhas "off-Sepultura", tem que ser elogiado: o cara é um monstro! Os timbres, as texturas, os arranjos... além de ser co-autor de todas as músicas. Aguentou calado e, adotando um clichê futebolístico, provou "no campo" o seu valor. Sozinho faz mais barulho que muita dupla ou trio de guitarristas aí. Sem perder qualidade artística. E aí reside a importância de Paulo Xisto Jr, que muita gente não percebe por ser óbvia demais: Andreas só consegue ser o que é, em estúdio e ao vivo, porque tem um baixista competente que segura os graves na cozinha.
A terceira parte é onde Alex se submete a tal experiência, "tratamento Ludovico": uma terapia experimental de aversão, desenvolvida pelo governo como estratégia para deter o crime na sociedade. O tratamento consiste em ser exposto a formas extremas de violência sob a influência de um novo soro, como ver um filme muito violento. Alex é incapaz de parar de assistir, pois seus olhos estão presos por um par de ganchos. Também é drogado antes de ver os filmes, para que associe as ações violentas com a dor que estas lhe provocam. A experiência é retratada em "The Experiment", cujo fim deixa claros os efeitos dela em Alex: "no choice, no more".
A vida após ser liberado do hospital, onde Alex recebe a vingança de alguns que outrora havia atormentado é retratada na ótima e pesada "Strike" - outro ponto alto de Derrick Green: "não sou líder dos meus atos, não escutou minha mente. Vivo uma vida no submundo. Estou tão f..."
Enough Said, e a constatação do caos: "se você não pode dizer o que quer dizer, então o que você diz não tem sentido". Esse tratamento o torna incapaz de qualquer ato de violência (nem mesmo em defesa própria), bem como de tocar uma mulher nua. Como efeito secundário, também não consegue ouvir a 9ª Sinfonia de Beethoven — que era sua peça favorita. Peça esta presente em "A-Lex", com o sugestivo nome de "Ludwig Van", que fecha a terceira parte, em que o Sepultura toca com uma orquestra de doze músicos regidos pelo maestro Alexei Kurkdjan.
"A-Lex IV" e outra pancada, "Paradox". Ao final do livro de Burgess, Alex é abandonado por todos e sua situação se reverte com a ajuda de uma das vítimas de sua crueldade. E a letra de "Paradox" realça esse contraditório: "a escolha de deixar o livre arbítrio de alguém para trás leva a menta a um explosivo paradoxo". As guitarras, na parte cadenciada, lembram muito o timbre de "Chaos AD", o que por si só já é um grande sinal - mas a faixa é ótima, um final a altura para um grande álbum. A mensagem final de Derrick fica como um aviso: "meu livre arbítrio morreu quando eles tomaram minha mente".
E outra vez o Sepultura caprichou na parte gráfica. O álbum é bonito mesmo, bem feito, a capa é ótima, composta a partir de diferentes elementos das esculturas de Kris Kuski.
Destaque ainda a estreia de Jean Dolabella em estúdio. Substituir Igor Cavalera não é para qualquer um, ainda mais depois da performance marcante, embora mais direta, de Igor em "Dante XXI". Sem jogar pra galera, Jean agregou muito à banda. Músico competente, bate muito forte ao vivo. Creditado como co-autor de todas as músicas, além do co-arranjador em "Ludwig Van". Segundo ele mesmo, o Sepultura escolheu trabalhar em um repertório estruturado com poucos refrões e solos. "Foi um processo natural, pois o repertório surgiu a partir de improvisações em estúdio durante três meses. Além disso, nós procuramos fugir dos clichês de estrutura de composição e não nos preocupamos com riffs, refrões e coisas do tipo". Ou seja: coragem e atitude. Condições necessárias para levar esta lenda da música pesada em frente.




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