sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Literárias

Me espanta muito que a matéria literatura não empolgue estudantes. Mas o espanto diminui à medida em que lembro que esse desinteresse não é de hoje. Esse modo frio de ensinar é que não cativa ninguém. Literatura não é decoreba! E, a despeito de bons professores com quem tenho falado, a matéria acaba sendo daquelas que o aluno simplesmente não gosta.
Essa coisa de associar gêneros literários (períodos), com datas; associar uma ou outra característica e tomar uma obra (duas, as vezes) pra ser lida, simplesmente esgota. Literatura é PRAZER, não é ciência. O material (e aqui também falo de Língua Inglesa, matéria que tenho lecionado) é ridículo. Estudar literatura sem entender o contexto de cada época é tentar cavar o impossível. Serão apenas textos lidos em linguagem distante, sem razão de ser, datados e sem importância.
Como ler e entender Camões sem entender a ascenção e consolidação do Cristianismo em Portugal?
Como apreciar a odisséia do Rei Arthur sem entender que ela representa a transição da Bretanha pagã para a Bretanha Cristã?
Como ler e entender Beowulf sem entender que este foi o primeiro registro literário em língua inglesa, que já definia o arquétipo do herói, tão bem estruturado por Joseph Campbell?
Como ler e entender o realismo, um Madame Bovary, por exemplo, sem ver que este livro é uma negação da estética romântica - da temática adúltera do amor impossível até o vômito final da heroína?
Como ler Machado de Assis sem considerar todos os fantasmas que o atormentaram por ser pobre e negro?
Como ler o Monteiro Lobato de Urupês sem entender a economia brasileira, notadamente a paulista, da primeira metade do século XX? Idem para um Mário de Andrade - sem entender o contexto crítico das obras dos modernistas (leiam o conto "Primeiro de Maio", ou "Peru de Natal", fantásticos!)?
Como ler a sátira e a crítica de um Lima Barreto sem entender o cenário político do século XIX, em especial no Rio de Janeiro?
Como ler um livro como O Cortiço ou mesmo O Ateneu sem captar as referências (de Emile Zola até a cultura latina, presente desde os nomes do personagens até a paisagem)?
Como ler F. Scott Gerald sem entender o espírito empreendedor do americano e em especial a efervescência política e cultural que os EUA viviam na chamada era do jazz?
Como ler um João Cabral de Melo Neto sem entender a geografia, os costumes e a distribuição populacional do sertão do nordeste brasileiro?
Como ler Fernando Pessoa sem captar as referências a Portugal, sem entender o que ele queria de cada heterônimo, sem entender os jogos de palavra fartamente distribuídos em seus versos?
Depois de tudo isso (muita coisa já abordada em posts neste blog), não dá pra pensar nesse ensino de literatura de apostila, com exercícios imbecis. O ensino de literatura tem que causar vontade de ler, tem que captar leitores - e não o contrário.

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