quarta-feira, 27 de maio de 2009

O Ateneu - Raul Pompéia

Meu primeiro interesse pelo "Ateneu" veio nas aulas de Latim, na faculdade. Falando da influência e dos usos da língua latina atualmente, o professor falava da grande sacada do Raul Pompéia (autor do livro) em batizar o diretor e dono do colégio como Aristarco (de "aristocracia", "aristocrata"). No dia seguinte a esta aula, fui num sebo e achei "O Ateneu" (e Amor de Perdição, do Camilo Castelo Branco) por míseros 5 Reais - não resisti e comprei.
Fui lê-lo realmente agora, em 2009; na verdade, acabei de lê-lo, daí a resenha. Adianto: não é um livro fácil, no que concerne a escolhas lexicais. Mas é estiloso, é saboroso, pra quem gosta da língua portuguesa. Esse livro é citado como um dos grandes títulos do movimento naturalista na literatura brasileira (ao lado de O Mulato, de Aluísio Azevedo), o que pode ser que pode ser percebido se verificarmos a constante influência do ambiente do Ateneu no caráter das personagens. Pode-se dizer até que o meio, a escola, é também uma personagem da história, característica fundamental do naturalismo. Outro indicativo desta influência é a citação do italiano Emile Zola, um dos principais nomes desta corrente literária. O Ateneu, seus cenários, turmas, rituais e acontecimentos realmente apresenta forte influência sobre as personagens. Sérgio, a principal e alter ego de Raul Pompéia (que viveu realmente 06 anos em um internato) no livro, passa por comportamentos, sentimentos e atitudes paradoxais e as vezes até contraditórias, devido ao ambiente do colégio.
Mas não é só isso. O livro apresenta influências:
- Realistas: na negação do ideal romântico de que a infância é uma época de inocência e felicidade plenas, ou mesmo na adoção do nome Ema para a esposa de Aristarco, influência do marco Realista Madame Bovary, de Gustave Flaubert (já resenhado neste blog), cuja personagem principal chama-se Emba Bovary (a tal madame do título);
- Impressionistas: quando o autor usa sentimentos, descrições subjetivas para descrever suas impressões, especialmente após o contato com D. Ema no jantar em que Sérgio fora convidado após obter boas notas no período;
- Expressionista: ao abusar de imagens grotescas nas descrições, quando por exemplo relata a "repugnância de gosma" que o autor sentiu por Franco.
O foco narrativo é em primeira pessoa: o livro todo é narrado por Sérgio, protagonista das crônicas, aluno do Ateneu por 02 anos (entrando lá com 11), o que, confrontando com a biografia do autor, deixa claro que é um romance com fortes tons autobiográficos - deixando triste aquela corrente da crítica que diz ser irrelevante a associação da vida do autor com sua obra. Normalmente discordo dela, mas neste caso em particular a discordância é radical, por fatores que listaremos ainda. Mas voltando ao livro, as personagens são planas, superficiais, com características bem definidas: não há intensidade ou conflito das personalidades. As influências decorrem, como já citado, do meio, do ambiente. Não há grandes alterações emocionais durante o romance.
No quesito relação autor-obra, é sabido que Raul Pompéia era um republicano entusiasta. A crítica impiedosa ao déspota Aristarco, retratado como um empresário frio e financista na pele de um grande e incensado educador, somada à frase do professor Cláudio no capítulo XI ("não é o internato que faz a sociedade, o internato a reflete") dá a senha: o internato é um microcosmo da sociedade da época: monarquista, imperial. Sendo governado por um autoridade suprema, abre espaço para relações atrofiadas, perversas, egoísmo, hipocrisia e imposição pelo medo. Este microcosmo terminar em chamas não é surpresa: quem não gostaria que aquela fonte de memórias desagradáveis literalmente ardesse em chamas? Qual republicano não gostaria de ver a monarquia arder em chamas, ainda que de forma metafórica? Uma passagem do final simboliza a queda do poder aristocrático: o outrora honorável e poderoso Aristarco em meio ao colégio em chamas, abandonado por todos, inclusive pela esposa, que some em meio a confusão.
Outras belas sacadas como a relação meio edipiana da esposa do diretor, D. Ema, com Sérgio, após a doença deste. O fato de "Ema" ser um possível anagrama para "mãe" e "ame", além da já citada relação com Ema Bovary, alternando tintas edipianas com interessante carga de sensualidade, erotismo mesmo. O aluno religioso se chamar Franco. O aluno mais velho, que se rebela silenciosamente contra aquilo tudo, ser o Rebelo - que não se rebela totalmente por ter a acuidade visual comprometida, daí os imensos óculos de lentes azuis, o que não lhe permite "ver" tudo adequadamente. O aluno que se torna herói para depois se tornar o protetor de Sérgio se chamar Bento, de "abençoado". O agitador Barbalho (além da sonoridade larga, a rima com paspalho ou outras palavras menos votadas), o respitado professor Mânlio, com nome emprestado de Anício Mânlio Torquato Severino Boécio, estadista e filósofo da patrística de transição para a Escolástica (nascido por volta de 470 dC, morto em 524 dC), entre outros. E, lat but not the least, um momento "a vida imita a arte": a citação sem fim de grandes nomes da história, mitos, imperadores e divindades não é puro exibicionismo acadêmico - Raul Pompéia foi, além de jornalista (notável polemista) e escritor, professor de História da Arte. Na mais notória das inúmeras polêmicas em que se envolveu, quase chega as vias de fato com Olavo Bilac, outro gigante da literatura brasileira. Considerado de personalidade fechada e difícil, suicidou-se em 25 de Dezembro de 1895 (nascido em abril de 1863, morreu com 32 anos! Publicou "O Ateneu" em 1888, com 25 anos!).
Enfim: livro difícil, mas ainda assim um grande livro. Leitura obrigatória para a área de Letras. Leitura obrigatória para apreciadores de refinamento lexical. Agora, se o objetivo é leitura por prazer, passe longe - ciente de que está correndo de um desafio que, no frigir dos ovos, lhe trará mais benefícios do que tédio.

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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Sinal de vida

- Doutor Gallagher, o paciente do 2001 está dando sinais de reação.
- Impossível, enfermeira Harvey! Este blog está em coma profundo desde janeiro!
- Eu sei, doutor. Mas parece que tem até post novo...
- Ora bolas! Eu já estava vendendo os posts antigos no mercado negro!

...And SELETA DE PROSA has born again!

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