sexta-feira, 23 de maio de 2008

Independência ou... dependência. De dinheiro, claro.

Tive contato hoje com a polêmica que o Thiago Ney (Folha) levantou sobre os Festivais de música ditos independentes no Brasil. Ele falou (e concordo) que não se pode chamar de "independentes" Festivais (ou circuito) que recebam dinheiro de uma Petrobras: VINTE E CINCO festivais de música "independente" receberam um total de 2,5 milhões da Petrobras, e o Thiago estabelece a relação com o que já ocorre (há dácadas) no cinema. O site da empresa cita como referência a Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN) - o que já não dá uma "independência" total, não? Visto que se reúnem em Associação, com todas aquelas deliberações, assembléias e editais que vocês já devem imaginar. A bola levantada pelo Thiago é pertinente e interessante. Já a resposta da Abrafin, publicada na Folha de hoje, é de lascar. Por partes, com Abrafin em itálico, permeado por comentários meus:
"O texto "Teoria da Dependência", publicado na Ilustrada do dia 9 de maio, trata dos festivais independentes de maneira generalista, além de conter dados incorretos. A Abrafin, mesmo não tendo sido nominalmente citada, bem como nenhum de seus associados, achou por bem enviar esta carta para corrigir alguns dados e clarear a visão distorcida do texto. "
Sobre este texto, diria minha mãe: galinha que muito chia é a dona dos ovos. Se não foi citada, vestiu a carapuça porquê? Se ela não é o modelo atacado pelo Thiago Ney, deveria ter ficado quieta. Por uma razão muito simples: se não é com ela, e ela é a Associaçao destes festivais, para a ABRAFIN deveria interessar mais qualidade, critério e transparência nos festivais. Mas não: preferiu ir contra o que o jornalista escreveu. Respondeu a algo que, como ela mesma afirma, nem citada ela foi. Mas nem precisava ser citada: como já disse, a própria Petrobras cita a ABRAFIN...

"Fruto de um amplo movimento artístico, novos agentes emergiram na última década e construíram um circuito brasileiro de festivais de música que hoje é em parte organizado na Abrafin. Em menos de três anos, a associação estabeleceu um calendário oficial de festivais que conseguem dar palco a boa parte da produção de música brasileira atual."
AMPLO? Com que relevância para o público? O que temos de hoje, relevante na cultura brasileira, saído destes festivais? Ao contrário: não há cultura underground no Brasil. O que existe é um bando de amigos que se reúnem e, via de regra, tocam pra eles mesmos. Exceção, pra mim (falo de festivais de rock, minha praia), é o Abril Pro Rock, em Recife, e o Goiania Noise Festival - não por acaso, ambos também recebedores da papa petroleira. Circuito brasileiro de festivais "independentes" organizado por uma associação? Como diria alguém: criação brasileira, se não for jabuticaba, desconfie...

"O que torna esses festivais independentes vai muito além do modo como são custeados.
Claro, claro. É a velha questão da atitude, postura, da luta contra o sistema... com dinheiro público - direto ou indireto, como falarei abaixo. Tá bom...

Alguns se bancam da própria bilheteria, outros via leis de incentivo, uma terceira opção é por meio de permutas ou até mesmo com um grande patrocínio, como foi citado no texto do colunista."

Queria saber QUAL festival no Brasil se banca com a própria bilheteria. Claro, festival MESMO, onde as bandas RECEBAM cachê. Festival de amigos de bairro não conta. Agora, me diga uma coisa: pode ser considerado "independente" um festival que precise de LEI DE INCENTIVO, permuta ou patrocínio ESTATAL e privado para acontecer? Note que coloquei "precise". Pra deixar mais claro o absurdo, poderia colocar "dependa" no lugar. E o absurdo conceitual também seria semântico...

"Mas, apenas por isso, dizer que são "dependentes do dinheiro público" é uma informação generalista e incorreta."
Não é não: patrocínio da Petrobras = dinheiro público direto. Patrocínio privado é abatido via leis de incentivo = dinheiro público, ainda que indireto. É como se o poder público falasse: "ó, em vez de pagar esse imposto pra gente, você pode investir na 'fomentação de cultura local', tá?" E investem nos festivais "independentes", que dão um status de cool à marca. Como diria Milton Freidman, "não existe almoço grátis", amigo.

O que pode estar longe do conhecimento do grande público é que todos os festivais da Abrafin estão envolvidos (alguns por mais de uma década) numa cadeia produtiva que dura todo o ano, gerando emprego e cultura, e que têm nos festivais (patrocinados ou não), a sua vitrine nacional.
E é ótimo que seja assim mesmo. Isso não é algo que se deva bater no peito - é a missão básica de quem se dedica (VOLUNTARIAMENTE, diga-se) a, a-ham, independência: gerar cultura. Se em cima disso puder gerar emprego, ótimo também. Só questiono a relevância disso tudo. O que sai desses festivais? Um esquema viciado de produção cultural mantido com a ajuda de grana pública? É isso que o Thiago questiona e, como se vê, não interessa a ABRAFIN responder - só se justificar.

Outro dado incorreto diz respeito aos valores "gotejados na mão dos produtores de cada evento" via edital da Petrobras (http://www.editalfestivaisdemusica.com.br/). Pelo menos dos associados da Abrafin, nenhum teve um aporte no valor citado via edital.
Olha a armadilha retórica! O único valor citado na Petrobras é o total: 2,5 milhões de Reais. Que é o valor TOTAL do incentivo, dividido entre os contemplados. Logo, realmente, ninguém recebeu o valor citado no edital. Por que diabos a ABRAFIN se esconde atrás desse tipo de argumento? Sinal de que o Thiago Ney mirou no que viu e acertou (também) no que não viu...

Sobre a relevância das atrações, é inegável que boa parte da nova música brasileira tem se apresentado nesses festivais. Independentemente de estilo, os festivais são a plataforma onde essa música está sendo apresentada ao público, até formando uma nova geração de pessoas interessadas em música (...)
É inegável? Mas eu nego. "Boa parte"? Esse senhor é mesmo de uma associação de festivais? Veja as escalações da maioria dos festivais! Nomes fartamente repetidos, bandas indicadas por que são amigos ou contratadas de gente influente. Falta a ABRAFIN correr mais pelas garagens do Brasil...

A própria cobertura desses festivais, feita esporadicamente pela Folha, por vezes elogiosa, comprova que o repórter foi no mínimo preconceituoso ao criticar uma ou outra atração, assumindo que seu gosto pessoal deve ser mais importante que o do público que comparece aos shows, ou da curadoria dos festivais."
Não foi preconceituoso, foi realista: QUAL A RELEVÂNCIA DA MÚSICA GERADA NESSES FESTIVAIS FORA DO CIRCUITO INDIE? Ele se refere a essa parte do texto do Thiago Ney: "Bandas indies péssimas, que não tocariam nem em matinês de pubs londrinos, arranjam lugares confortáveis nesses eventos devido à "brodagem" entre produtores de festivais, músicos, blogueiros etc. Triste." E eu assino embaixo. Parabéns pela bola levantada, Thiago.

E ainda: a ABRAFIN não está sozinha. O rancor, contra o Thiago e contra a própria Folha (ou a chamada "grande mídia" em geral), é latente entre os fomentadores da cultura independente do Brasil-sil-sil. E só prova, de novo, que o cara acertou.

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6 Comentários:

Às 23 de maio de 2008 às 13:00 , Blogger Marie Tourvel disse...

Certíssimo, caro Rover. Não temos, através de nossos impostos, que financiar veleidade artística de ninguém. Chega disso! Mas infelizmente teremos sempre mais disso com esse Estado inchado. Tristes tempos. Beijo, querido

 
Às 24 de maio de 2008 às 07:31 , Anonymous Anônimo disse...

Banda independente brasileira boa é banda independente brasileira morta. É tudo muuuuuuuuito ruim.......

 
Às 24 de maio de 2008 às 11:49 , Blogger thais cavalcanti disse...

Anônimo disse...
Banda independente brasileira boa é banda independente brasileira morta. É tudo muuuuuuuuito ruim.......

hahahahaha. assino embaixo.

deve existir alguma exceção. só não to me lembrando agora.

 
Às 26 de maio de 2008 às 05:16 , Anonymous Anônimo disse...

não sou profundo conhecedor de música, mas tbm não conheço nenhuma independente boa.
o que atrapalha também é que bandas que tocam nas rádios "compram" seus lugares, não pelo seus adjetivos e sucesso com o público.
Sei lá é a opnião de um leigo...

 
Às 26 de maio de 2008 às 16:28 , Blogger Léo Mariano disse...

olá Rover.

Primeiro um olá.

Realmente é muito dinheiro público a troco de nada. Acho que o último artista que foi lançado por um festival foi o Lenine, e ele já era conhecido como compositor. Nem o Abril pro Rock revela algo de bom ultimamente.

não sou contra a lei de incentivo. o que acho é que ela se deturpou completamente, já que, de ferramenta ela passou para o próprio plano de cultura.

hoje, há panelas recebendo muito enquanto migalhas são distribuídas, a troco de muita burocracia, à poucos.

Sem dizer que todos, e me incluo, ficamos viciados no peixe e não na vara.

abs

Ps: você mora aqui pertinho, não é. em São José dos campos?! Sou de Taubaté!

 
Às 28 de maio de 2008 às 15:35 , Blogger Léo Mariano disse...

olá Rover

é realmente muito difícil. eu mesmo só conheço um ou dois caso que a lei serviu para algo mais.

Por outro lado, conheço várias iniciativas bacanas que se sustentam, e seus donos, sem leis de incentivo e que conseguiram bons patrocínios privados. O que é muito bom, pois a empresa apostou no valor do artista.

Também penso, havendo necessidade de capital de giro, que o ideal seria um empréstimo com juros baixo, algo parecido com o "banco do povo'. Acho muito injusto com o "resto" do brasileiros que para levarem um negócio se sacrificam e arriscam sempre.

Agora esse negócio de festival. Na boa, eu nunca vi, pelo menos no teatro, uma grande projeção de um artista graças a um deles.

abs

 

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