sexta-feira, 21 de março de 2008

Excalibur

Estamos tendo Literatura Portuguesa, na ordem cronológica. Já passamos pela parte das cantigas (de amor, de amigo, de escárnio, etc) e agora estamos estudando a influência causada pelo ciclo arthuriano na literatura portuguesa. Tudo bem, se não fosse por três pequenos e quase insignificantes poréns:
1) Vamos estudar o ciclo arthuriano já a partir da próxima aula de... Cultura e Literatura Britânica, ora bolas.
2) Desta forma, a impressão que fica é que a literatura portuguesa propriamente dita não apresentou nada de novo e relevante neste período. Quero estar enganado.
3) Resta óbvio que as professoras não se comunicam sobre os temas abordados. Pq essa é uma questão até óbvia: se eu ministro uma disciplina que fala da influência da literatura britânica (mas não é sobre Literatura Britânica) e sei que tem outra professora que ministra uma disciplina específica sobre literatura britânica, por que motivo não cruzo informações a fim de obter melhor informação para os alunos (repito as palavras "literatura britânica" de propósito, para explicitar o quão ridícula é a situação)? Caso agravante: a disciplina de Literatura Portuguesa é ministrada pela... Coordenadora do Curso de Letras! Ou seja, ela sabe a nossa grade. Fica a pergunta: o que esse povo conversa na sala dos professores? Onde leciono conversamos sobre amenidades, sim. Mas também sobre conteúdos dados.
(pausa: ouvindo Chris Isaak, "Speak of the Devil". Eta cara foda!)
Então, volto. Fora digressões sobre estratégias de ensino desastradas, queria mesmo era falar do filme. Ou ainda, da história.
O grande símbolo do período arthuriano é a passagem da Bretanha saxônica e bárbara, mística e mágica, para a Bretanha cristã. E o filme mostra isso com clareza: desde a concepção de Arthur, graças à magia de Merlin, que permitiu o Rei Uther se passar pelo Rei Gorlois para possuir Igraine, sua esposa, que engravidou. Então, levado por Merlin, Arthur reaparece anos depois, para tirar a espada de Excalibur da pedra onde Uther, seu pai, a havia colocado. Dizia a lenda que somente o verdadeiro rei poderia tirar Excalibur da pedra, e dessa forma Arthur fora consagrado como o rei que uniria o país - não sem um período sangrento de guerra. Mas, enfim, Arthur logrou êxito. Mas veremos que a conquista pela magia não se apoiaria por si só.
Arthur se casaria com Guinevere, de família Cristã (o que o filme, resumido q só, não conta). Guinevere começa a ter ascenção cada vez maior sobre o rei, a ponto de os costumes Cristãos começarem a ser adotados no reino. O mais irônico é que o fim da paz e prosperidade no reino arthuriano é simbolizado pela traição de Guinevere, esposa, com Lancelott, melhor amigo do Rei.
A decepção pela amarga traição faz Arthur abrir mão de Excalibur. A fome e a miséria voltam a se espalhar pela Bretanha. Para Arthur, a única maneira de o reino recuperar a prosperidade é pela conquista do Santo Graal, o cálice utilizado por Jesus Cristo em sua última ceia (coincidência: escrevo este post na sexta-feira santa, dia da paixão). E para isso, aciona seus fiéis cavaleiros da távola redonda para que o procurem.
Outro indício da dualidade cristianismo / paganismo que marca a obra (e o período como um todo): a magia pagã faz o Rei ascender ao trono. A busca por um dos maiores símbolos do Cristianismo é a única chave para seu reinado seguir pleno e próspero. Eis que o filme aborda as 02 maiores obras do período arthuriano: a lenda do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda (essencialmente pagã) e a Busca do Santo Graal (de fundo cristão).
Achado o Graal (numa busca desenfreada, que durou mais de 10 anos), Arthur recupera a vitalidade e sai disposto a manter a Bretanha unida e devolver a prosperidade a seu povo - e o herói de volta ao seu habitat: um novo período de guerras, lutas e conquistas para a união da terra. Aliás, a saga de Arthur segue os exatos passos da mitologia do herói criada por Joseph Campbell. Qualquer dia falo disso.
Mas voltando, eis que mais um sinal da dualidade cristianismo / paganismo entrelaça as histórias: Arthur encontra Guinevere em um convento; ela, ciente da jornada que Arthur está incumbido, dá-lhe... Excalibur, que fora guardada por ela durante estes anos todos: a espada sagrada, pagã, guardada por uma cristã, em um convento. De posse da espada mágica, Arthur vai seguindo seu destino até a hora do confronto final, com imenso simbolismo do dualismo citado: a batalha final contra Mordred, seu filho com Morgana, sua irmã, que fora abençoada como sacerdotiza na antiga religião da Bretanha saxônica, com seus ritos, deusas e magos: sua grande mágoa era o iminente desaparecimento desta religião em prol do cristianismo que ganhava adeptos por toda a ilha, sob o reinado de seu irmão: sua vingança seria fazer o herdeiro do Rei (Guinevere não tinha dado um filho varão a Arthur), com sangue real mas criado nos ritos antigos, pagãos, de culto à deusa. O final: todos os traços de magia, Arthur e Mordred, desaparecem - o que não deixa de ser mais um êxito, o último, do grande rei que uniu a Bretanha na transição do paganismo ao cristianismo. A pedido de Arthur, o grande símbolo da magia pagã, Excalibur, é entregue a Dama do Lago (Viviane, irmã de Igraine, tia de Morgana), entidade que tem a incumbência de zelar pela espada, até que ela seja necessária para unificar novamente a Bretanha. O resto a história nos conta: a Bretanha virou Inglaterra, virou Grã-Bretanha, e é uma ilha eminentemente Cristã - ainda que possua uma história belíssima e rica, com suas raízes pagãs; ainda que se divida entre o anglicanismo e o catolicismo. A época arthuriana nada mais é que a narrativa desta passagem. Eis a importância da literatura: contar a história do seu povo. Dizer ao povo quem ele realmente foi, para que ele entenda quem ele realmente é.

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3 Comentários:

Às 27 de março de 2008 às 04:35 , Blogger Unknown disse...

eu adoro essas histórias, assim como o campbell. a vida dele, aliás, segue todos os passos dos quais ele fala. imaginou passar anos da sua vida em uma casa isolada, lendo?

deve ser muito bacana fazer letras... fiquei com inveja. :-D

beijo.

 
Às 6 de junho de 2008 às 08:14 , Blogger Léo Mariano disse...

olá Rover.

Rapaz, como não tenho um email seu, eu sempre faço perguntas emposts mais lá atrás, por isso não estranhe.

bom, queria saber o que você acha do ensino da literatura dramática no curso de letras. Fiz um post-pergunta sobre isto:
Como todas sabem, sou do teatro e conversando com um professor de literatura da Faculdade da cidade, a Unitau, descobri que o ensino do gênero dramático na faculdade é fraquinho, fraquinho.

No máximo, uma passadela de olhos na Poética aristotélica, lá no 1º ano e só, depois se esquece do teatro, e mesmo alguns os professores de literatura ou teoria literária têm pouco conhecimento sobre o gênero. Daí veio a curiosidade!

Como é o ensino do texto dramático em outras faculdades? E o que vocês acham da literatura dramática!

Faço essa pergunta a cinco estudantes de letras de cinco faculdades diferentes. São eles:

Olivia Maia do Forsit
André Gazola do Lendo.org
Daniel Lopes do blog do daniel
Rover do Seleta da Prosa
Leandro Oliveira do Odisséia 2005

Por favor, se vocês puderem me responder. Agradeço. Peço também a gentileza de pode-las expor aqui.

É uma curiosidade minha, que deixo aqui para quem se interessar"

se você puder responder essa minha curiosidade, agradeço

abs

 
Às 30 de junho de 2017 às 10:44 , Anonymous Anônimo disse...

Oi, preciso fazer um trabalho resumido sobre excalibur, alguém me ajuda?

 

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