sábado, 18 de julho de 2009

MJ, sensacionalismo e o uso dos verbos

Não é segredo o fascínio que tenho pela análise de discurso, já até escrevi a respeito. Então, vejam o que vai no Globo Online (a notícia completa está aqui):

SÃO PAULO - O corpo de Michael Jackson estaria congelado em uma cripta enquanto a família aguarda a decisão da polícia sobre iniciar ou não uma investigação de homicídio, informa reportagem do "Daily Mail".

Três semanas após a morte repentina do cantor, seu corpo ainda não foi enterrado. Os restos mortais de Michael Jackson estão sendo conservados por meio de refrigeração em uma cripta para evitar que tenham que ser desenterrados para uma exumação.

A cripta de mármore onde o corpo de Michael tem sido mantido pertence a Berry Gordy, fundador da Motown.

A família de Michael Jackson estaria adiando o enterro na expectativa de uma confirmação dos detetives sobre o curso das investigações. Há suspeitas sobre a conduta do médico Conrad Murray, que estava com Jackson quando seu coração parou e tentou reanima-lo sem sucesso. Murray teria fugido da Califórnia para o Texas - onde tem uma clínica - enquanto a polícia se preparava para interrogá-lo novamente.

(...)

A polícia de Los Angeles está preparada para possibilidade das investigações sobre a morte de Michael Jackson se tornarem um caso criminal. Mas tudo depende do resultado da autópsia, que foi adiado por mais duas semanas .


Então vamos lá: As partes em VERMELHO, maioria selecionadas, justificam a reportagem: ESPECULAÇÃO. Os verbos selecionados em vermelho, todos no futuro do pretériro – aquele tempo em que as coisas podem até acontecer, mas não há certeza. O corpo ESTARIA congelado, a família ESTARIA adiando o enterro, Murray TERIA fugido. O primeiro trecho em azul mostra uma dedução de quem redigiu a matéria: SE o que esta no futuro do pretérito se confirmar, aí sim, seu corpo AINDA NÃO FOI enterrado, os restos mortais ESTÃO SENDO conservados, a cripta PERTENCE a Berry Gordy. Mas não há certeza, pois o corpo ESTARIA, etc.

Tudo se justifica no fim: a possibilidade de assassinato, ventilada pelos Jacksons, e admitida pela própria polícia, já noticiado pelo mesmo Globo Online (aqui e aqui, no mínimo). A informação relevante da notícia é uma, vá lá, "não informação": a de que "família aguarda a decisão da polícia", mas que "tudo depende do resultado da autópsia", que fora adiada. Até isso é notícia requentada (aqui ou com link na própria matéria, mesmo link já dado acima). Enfim, é uma matéria mais válida para cursos de Letras ou Jornalismo do que para um jornal, mesmo online, em seu caderno de "cultura".

Eis, queridos, uma aula sobre o jornalismo dos dias de hoje: o que vale é encher espaço, até porque quem leu a primeira notícia não lerá essa, e provavelmente quem leu aquela não lerá essa. A mesmo matéria, o mesmo assunto - com links umas pras outras! A matéria não trás um dado novo, requenta o que já foi dito. É tudo tão mal feito que O Globo, jornal carioca, se lança como co-autor da matéria em conjunto com “Agências Internacionais”, mas a matéria vem de... São Paulo, provavelmente da redação que eles devem ter lá - e o primeiro parágrafo informa que a matéria é do jornal britânico Daily Mail! Dane-se o leitor, credibilidade, coerência. O negócio é cozinhar a notícia (e o leitor!), todo dia um pouco, o tempo todo.

O que me leva à conclusão óbvia: nesse mundo louco, corrido mesmo, a quantidade de informação disponível é imensa. Saber filtrar a qualidade delas é que é o grande desafio – senão você vai ler a mesma notícia muitas vezes, sem verdadeiramente se informar, e vai ficar louco, porque ninguém consegue ler tudo se não tiver um critério coerente para ler com qualidade. E aí fala que não "consegue" se informar, que não tem "paciência". É difícil? Talvez. Mas saber filtrar informação é um exercício, um aprimoramento. Que requer paciência e prática. Quem não tentar, não vai conseguir mesmo.

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1 Comentários:

Às 18 de julho de 2009 às 17:38 , Blogger Cavuca disse...

Rodrigo, estamos alinhados! Tenho repetido discurso semelhante. Muita gente ouve ou lê isto ou aquilo, aqui ou acolá e adota o que ouve ou lê como "verdade verdadeira".... "Deu na Globo"..."Li na Internet" são citações comuns. Alguns defendem até a morte argumentos pífios só porque os leram em algum sítio duvidoso na rede mundial...E, pior: está a surgir o "falso culto", aquele que lhe manda "poemas de Victor Hugo", que na verdade são dele mesmo. Outro dia, recebi um poema com texto bem romântico.. Você sabe, continuo aquele romântico inveterado, ainda mais nestes dias (e nem precisa me perguntar o porquê... são coisas do coração!)... E gostei do que li! Mas, Victor Hugo nunca teria escrito com aquele estilo... Era "do gajo" mesmo... Resumo da ópera: as pessoas estão a se esconder nos nomes famosos para dar credibilidade ao que escrevem... e, como o que está na Internet ou "deu no jornal" acaba virando verdade... Por aí vamos! Um grande abraço!

 

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